quinta-feira, 3 de junho de 2010

Lâmina Vermelha

Pulei para minha esquerda enquanto a lâmina afundou o chão com o seu peso. Mal tive tempo de firmar os pés no solo e me agachei para desviar do novo golpe que teria me partido ao meio. Tentei uma estocada, mas o imenso corpo girou para o lado e, por puro instinto, me joguei rolando no chão, sentindo o assobio da lâmina passando pelo ar enquanto escapava de mais um golpe mortal. Eu simplesmente não podia receber nenhum golpe de uma lâmina daquele tamanho - ela facilmente partiria meus ossos e abriria meus órgãos caso me acertasse.

Difícil de acreditar que meu adversário realmente era um humano. Seu corpo de mais de dois metros de altura era coberto por uma armadura de placas completa, tornando invisível até seus olhos. Além de alto, meu inimigo era largo como uma muralha e sua arma também surpreendia. Arma a qual ele dominava de uma forma a só me dar tempo de me esquivar, sem conseguir pensar nada além de me manter vivo. Meu escudo era inútil naquele combate, pois era evidente que se eu tentasse bloquear, meu braço seria esmigalhado junto com o metal no impacto. Por poucas vezes eu consegui atingir sua armadura, e mesmo assim, sem provocar nem um arranhão. Um adversário realmente indestrutível.

Virei-me para meu oponente assim que terminei meu rolamento. Ele andava em minha direção segurando a espada com uma das mãos apoiada no ombro, desleixado. Um blefe. Sua guarda estava aberta, mas sua mente já estava com o contragolpe preparado assim que eu tentasse atacar - fingi morder a isca. Investi em sua direção, sua espada se ergueu no ar e desceu com o peso de uma avalanche, como previ. Esquivei para direita, a espada afundou pesada no chão e eu chutei seu punho com toda força. Inútil. Desarmá-lo parecia minha única chance de vitória, mas o bastardo usava uma manopla de segurança. Ele nunca soltaria a arma. Desgraçado!

Um riso abafado pelo metal saiu de seu elmo e, com uma força descomunal, ele girou a espada em minha direção. Fui obrigado a golpear a lâmina de baixo para cima com meu escudo, na tentativa de desviá-la. Mal calculado. A lâmina atingiu meu escudo e, como esperado, estraçalhou-o. Tropecei alguns passos para trás com o impacto, tentando não tombar, sentindo meu braço latejar enquanto os restos de metal despencavam pelo chão. Parecia que um mamute havia pisoteado meu punho. Já não domava minha respiração de tão ofegante. Parecia que meu fôlego não me permitiria nada além de erguer meu escudo e minha espada. Encarei os vãos negros do visor do meu adversário.

A vida nas arenas é sempre incerta. Nossa vida pode terminar a qualquer momento, basta encontrar um adversário mais forte. O público estava em êxtase. Ausohlung, meu adversário, era o campeão daquela arena hà alguns anos. Seu povo o amava e ele defendia a honra de sua pátria e da tradição guerreira local. Eu não tinha a menor chance.

Ele ergueu sua espada em posição de lança, na altura de seu peito e veio em investida. Abaixei-me, deixando a lâmina passar por cima de mim, agarrei sua cintura e com um urro de força e ímpeto, aproveitei o impulso de meu adversário, ergui seu corpo do chão e joguei-o para trás, fazendo-o dar uma cambalhota pelo ar. Sem perder tempo, ataquei com minha espada na direção de seu elmo, mas ele bloqueou com sua arma. Antes que eu pudesse pensar em outro ataque, o maldito rolou pelo chão e se levantou, voltando à posição de guarda, dessa vez nem tão desleixado. Pelo visto, além de dominar sua arma, Ausohlung também tinha total domínio de sua armadura.

- Devo agradecer-lhe Draco! Havia anos que eu não sentia tanta adrenalina em um combate! Ainda mais vindo de um forasteiro! Meu povo estava precisando de uma emoção como esta!

Eu ainda tentava recuperar o fôlego enquanto ouvia sua voz abafada.

– Você será eternamente lembrado em nossas histórias! Sinta-se honrado, pois meu povo jamais se esquecerá da batalha entre Ausohlung e Draco!!! O imortal campeão de Gorgomok e aquele que foi digno de morrer em suas mãos!!

Ausohlung levantou sua espada com as duas mãos sobre os ombros, pronto para descê-la e partir-me ao meio. E então, eu não sei o que houve, mas minha mão agarrou firme minha espada, minhas pernas pegarem impulso, senti meus olhos queimando em ódio, minha mente focada em vencer, meu espírito dominado por frenesi e, naquele instante, a única coisa que eu não senti, que pareceu sumir em vácuo, foi meu coração.

Um único corte. De baixo para cima, em um ângulo diagonal da esquerda para direita. Meu corpo girou, meu braço acompanhou o movimento, minha lâmina golpeou e a muralha de aço foi aberta. Estilhaços de metal voaram pela arena,o sangue pintou a mim e ao chão de rubro e o corpo de metal caiu para trás.

O público ficou atônito. Seu campeão havia sido derrotado. Um estrangeiro se mostrou superior em combate. Eu respirei fundo, senti como se o ar trouxesse de volta minha consciência e ouvi os aplausos. Alguns ainda confusos, outros eufóricos, uns gritando ofensas e ameaças. Mas o povo de Gorgomok amava a batalha acima de tudo e aquela havia sido uma grande batalha. Os aplausos dominaram a arena como uma onda que só revela seu real tamanho à beira da praia ao ponto de tornarem-se ensurdecedores.

Por um instante questionei-me se realmente havia sido eu a desferir o golpe final. Talvez fosse confortante duvidar de que havia sido por tamanha violência e tamanho ódio que houve naquele desfecho. Mas não havia como negar, fui eu. Por mais que não tivesse explicação para aquilo, havia sido eu. Naquele momento que talvez mal tenha durado um segundo, eu odiei, eu ataquei e eu venci a batalha. Nada, nem ninguém, agiu por mim. O mérito daquela vitória e de todo o sangue derramado era meu.

Por que viver pela espada? O que significa ser um guerreiro legítimo? Vencer? Proteger? Atacar? Aperfeiçoar? Honrar? Vingar? Buscar? Destruir? Onde será que encontrarei minhas respostas? Quando será que encontrarei um adversário mais forte do que eu? E quando encontrá-lo, conseguirei superá-lo? Morrerei tentando? Vivendo ou morrendo... Encontrarei minhas respostas?

Sai da arena sob os incessantes aplausos, peguei minha recompensa – talvez a maior que eu já tivesse conquistado - e me preparei para partir na manhã seguinte. Mais um reino visitado. Algumas batalhas vencidas. Mais uma grande vitória em minha carreira. Mais uma vitória em minha vida. E a certeza de que ainda havia muita estrada para percorrer. O sol se pôs em Gorgomek, o povo festejou até esgotar todo o dinheiro das apostas... E um guerreiro se preparou para próxima viagem.

14 comentários:

  1. Cunhado, vc consegue se superar né?! Já dise pra vc publicar logo um livro e começar a ganhar dinheiro... Eu compraria...hehe Esse conto ficou ÓTIMO!! Parabéns!

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  2. Rapaz, ta lindo... Um dia escreveremos um livro juntos e ganharemos muito dinheiro pra fazer um filme disso tudo. by Mario Monteiro

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  3. Parabéns. Gostei mesmo, mesmo, mesmo.
    Quero só ver os próximos...!

    Com orgulho e chatice:
    Selene Paiva.

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  4. "Untamed Gewässen"
    De onde tirou esse nome? Fiquei curiosa pra saber a tradução...

    Texto diferente, gostei do fim. Deu ar de continuidade, como se fosse o início de uma grande história, com sentimentos e gestos a serem interpretados, quase que descobertos...

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  5. A rica precisão de detalhes é uma característica forte em suas crônicas.
    O início encheu pastel mas o final foi surpreendente! Gostei muito!
    Está de parabéns por esta crônica mas não é uma das melhores que já vi sair de suas habilidosas mãos.
    Desculpe a demora.
    Lido e comentado.

    Bjs, Luh.

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  6. O q eu mais gosto no seu material (não só esse, como de maneira geral) é sua capacidade de nos fazer mergulhar literalmente na cena, imaginamos e formamos a cena na nossa imaginação conforme novos detalhes vão sendo mencionados.
    Quando comecei a leitura, ia ler só o primeiro parágrafo só pra sentir um pouco, pois tinha q cuidar de umas paradas... quando me dei conta, ja tava terminando o último ^_^" hehe
    Continue escrevendo assim, meu irmão, curto muito suas obras ;)

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  7. Realmente, mais que a história em sí que está boa, a sua capacidade de escrever de uma forma tão rica em detalhes,me faz sentir dentro da cena e parar de ler é quase impossível. Adorei ! Espero que você dê continuidade a ela. :)

    Beijão.

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  8. Rapaz! Os comentários estão bombando, heim! o.O
    ahsiuahuisah
    que coisa menino!
    Realmente o conto ficou ótimo!
    Meus parabéns, e continue assim! xD

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  9. Você escreve super bem, B! Parabéns!!
    Só que eu não curti tanto o forasteiro. A vitória dele foi meio apelativa na minha opinião. Do nada ele foi abençoado com uma força anormal e venceu a muralha blindada.

    Meu favorito ainda é Aberração na Coleira. Posta ela no blog.

    Abraços, amigo!

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  10. é eu acho que nesse vc merece um comentário serio...

    obra-prima. não deixa nada a dever para autores já experientes, provavelmente a melhor coisa que já li sua, e uma das melhores coisas que já li em geral.

    explendido

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  11. Você escreve bem cara, apesar deu nào curtir tanto paladinos hehe. + mesmo assim tá de parabéns

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  12. Realmente foi um texto nada clichê! =D
    Me lembrou muito um episódio do anime Katanagatari, em que o personagem principal (que não usa espadas, por em seu estilo de combate ele ser a própria espada) enfrenta uma espada que na verdade é uma armadura, uma espada de defesa... enfim...
    Adorei o texto, quebrou alguns clichês meus de que medieval é algo como D&D! =3

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  13. O primeiro. Gostei de ter lido, mesmo depois de tanto tempo que foi postado, estou aqui. Achei que a vitória para um forasteiro que ao menos conseguia se esquivar um pouco boa demais, mas o que realmente eu gostei como na maioria dos textos, foram as duvidas que o guerreiro teve sobre sua vitória, ele mesmo considerou surpreendente; e sobre sua vida, sobre a verdadeira intenção de viver pela espada.

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  14. Ótimo texto!
    Por um momento achei que o Draco ia perder, mas magnificamente ele deu a volta por cima. Bravo guerreiro!
    Meus parabéns!

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