sexta-feira, 13 de maio de 2011

Apenas uma Recompensa

Ajoelhada de frente para a porta, já havia analisado a maçaneta cinco vezes. Nada de errado. Entretanto, o corpo decomposto e fedido ao meu lado me dava um bom motivo para acreditar que havia alguma coisa na porta – mas, com certeza, não era a maçaneta. Resolvi investigar a fechadura. Examinei um pouco e percebi que havia algo de incomum nela. Abri minha mochila, peguei minha lupa e olhei mais de perto: havia um mecanismo por dentro. Minúsculo. Impossível desarmar, de tão minucioso, mas possível evitar. Guardei a lupa, fiquei de pé e botei a mochila nos ombros. Com cuidado, segurando a maçaneta por cima, girei e deixei a agulha envenenada voar à vontade, longe de mim.

Abri a porta.

Um corredor vazio. Apostei, pelo menos, mais duas armadilhas nele. Um passo cuidadoso, nem mais e nem menos, e pus-me a observar a nova área. O teto era dividido em blocos de pedras, todos colados uns aos outros. Pareciam firmes – se fosse para algum desabar na minha cabeça, haveria algum distanciamento singular em alguma parte. Olhei para o chão de azulejo e fiquei desconfiada. Chãos de pedra são firmes e estáveis. Azulejo é mais sensível, perfeito para se quebrar ou para ativar gatilhos. Se a armadilha não estivesse no chão, seria ativado por ele. Olhei para as paredes de tijolos alaranjados. Óbvio o suficiente para até um guerreiro perceber: havia pequenos relevos circulares por todos os lados. Grandes demais para dardos, pequenos demais para flechas. Provavelmente virotes. Não seriam fortes o suficiente para matar alguém, mas fariam bons machucados. Por sorte minha e burrice de quem projetou aquela sala, não haviam compartimentos para virotes da altura dos meus joelhos para baixo. Simplesmente me deitei no chão e fui me arrastando. Meu corpo ativou a armadilha e eu pude ouvir o sopro fino passando acima de mim. Após cerca de cinco metros, olhei ao meu redor, vi que nada mais me ameaçava e fiquei de pé. Estava de frente para a porta.

Analisei a maçaneta uma vez. Duas. Três. Quatro e cinco vezes e nada. Peguei a lupa, olhei a fechadura por alguns segundos, alguns minutos, algumas dezenas de minuto, uma hora e nada. Parecia limpo. Girei a maçaneta, ouvi um estalo vindo do teto e, instintivamente, pulei para trás.

Um impacto grave e pesado na posição onde eu estava. Por menos de um segundo, uma coluna de concreto não me esmagou contra o solo. Respirei fundo, recuperando o fôlego, enquanto entendia, aos poucos, o que havia acabado de acontecer. Quase perdi a vida por burrice! Burra, burra, burra! Lembre-se: sempre olhar paredes e tetos antes de abrir uma porta. Não vou esquecer.

Logo, o bloco voltou a se erguer e se camuflar de teto novamente. Ajoelhei-me de frente para a maçaneta, analisei com o triplo da atenção de antes, encontrei o mecanismo, usei duas agulhas finas como fios de cabelo, mas rígidas como metal e desativei a armadilha. Me xinguei mais uma vez antes de continuar.

Atravessei a porta e encontrei outro corredor, dessa vez, com um baú no fundo. Procurei compartimentos que poderiam se abrir e lançar flechas ou balançar lâminas, mas nenhuma pista. Teto limpo. Paredes limpas. Chão suspeitoso. Empunhei minha espada curta e cutuquei o chão. Espetei o solo num canto, forcei a ponta contra outro e, na terceira tentativa, perfurei o chão, que se desfez à minha frente, revelando um poço com espinhos. Uma queda de mais de dois metros de altura seguida por perfurações por todos os membros disponíveis. Parecia uma morte saborosa. Eu estava separada do outro lado do corredor por cerca de três metros. Analisei as paredes do poço. Pareciam realmente de pedra maciça por todos os lados, o que me indicava não haver nenhuma outra armadilha depois daquela. Satisfeita, peguei impulso e saltei até o outro lado do corredor.

Estudei o restante do corredor e nada parecia me ameaçar. Caminhei, cautelosa, até o baú. Ajoelhei-me. Logo pude perceber que ele estava grudado ao chão, ou seja, estava conectado a algo na sala. Olhei as dobradiças da tampa e pareciam mundanas. Olhei a fechadura e nada demais também. Peguei minha lupa e pus-me a estudar com mais precisão. Depois de alguns minutos analisando, pude ver que o mesmo dispositivo que destrancaria o baú, ativaria uma armadilha – o que, finalmente, parecia ser desafiador. Peguei minhas agulhas e comecei o trabalho de verdade. Cutuquei o fundo da fechadura, tentei girá-la por dentro e vi que o mecanismo acompanhou-a, ameaçando se ativar. Cutuquei o dispositivo e conclui que seria impossível destrancar o baú sem acioná-lo junto. Enxuguei o suor de minhas mãos para não perder a precisão e voltei para a fechadura. Ao redor do mecanismo, nada de diferente. Verifiquei o fundo da fechadura, procurando por algum mistério, mas não havia nada. Procurei algo a mais, alguma pista para desarmar a armadilha, mas ela era simplesmente perfeita, impossível de separá-la da fechadura. Foquei toda a minha mente naquele espaço mínimo, cessei a respiração e fixei meus olhos. Peguei minha lupa novamente e procurei por algo, mas nada. Olhei a fechadura por fora, olhei ao redor do baú, mas tudo era completamente estéril. Voltei para a fechadura, guardei a lupa, peguei as agulhas e fiquei imóvel por um tempo que não pude calcular até que uma possibilidade se fez berrar em meu cérebro. A armadilha, inevitavelmente, se ativaria ao mesmo tempo em que o baú se destrancasse. Passei uma agulha por dentro da fechadura, entre os mecanismos e pude sentir um mínimo relevo. Suavemente, tentei introduzir sua ponta dentro do fecho, mas escapuliu. Respirei mais uma vez, pisquei para deixar meu cérebro se ordenar e tentei de novo. Consegui enfiar a agulha, criando um pequeno vão, não mais do que um centímetro. Encaixei a outra agulha com cuidado no outro lado do fecho e empurrei de leve. Abrindo caminho aos poucos, introduzindo uma agulha e empurrando o dispositivo com a outra, um centímetro de cada vez, fui separando a armadilha da fechadura. Quando senti uma boa distância de três centímetros, encontrei elos dentro da mínima fenda aberta. Um por um, com a paciência de uma felina, desconectei os elos do interior da fechadura, até que todos estivessem inutilizados e, finalmente, destranquei o baú.

Confesso que só respirei alguns instantes depois de ouvir o estalo da fechadura, quando tive certeza de que ainda estava viva. O curioso de se focar unicamente em um objeto é que você abre mão da maior parte dos seus sentidos para aguçar unicamente o que é fundamental para aquela tarefa. Depois de concluída, os sentidos foram voltando aos poucos, latentes, como quando o sangue volta a correr pelas veias depois de uma câimbra ou voltamos a pensar melhor após uma dor de cabeça. Com o retorno do tato, senti-me encharcada de suor. Com o retorno da audição, ouvi minha respiração e meus batimentos cardíacos acelerados. Com o retorno do paladar, senti minha boca seca, tentando produzir saliva. Com o retorno do faro, senti o cheiro de velhice daquela sala que eu havia ignorado até então. Com a visão voltando a se ampliar, após tanto foco, voltei a enxergar o teto amarelo e o baú rubro.

Finalmente, com minha percepção de volta ao normal, abri o baú e coletei o tesouro que era meu por direito.